MEMÓRIAS – ENTRE A ATLÉTICA E O CENTRO ACADÊMICO

Eu estudei na UFRJ, na ilha do Fundão, que era longe pra cacete. E era difícil de chegar, não tinha ônibus. Na verdade, até tinha, mas eram poucos os que entravam na Ilha do Fundão e que portanto estavam sempre lotados. O jeito era saltar na avenida Brasil e pegar uma carona, o que era comum. Ou então ir de carro. Eu tinha um fusca e logo conheci alguns outros alunos que moravam perto de mim. A gente revezava a carona, cada dia ia no carro de um. Mas esses caras eram meus amigos de carona. Os caras que eu conversava mesmo, que encontrava entre as aulas, que almoçava junto, e que logo comecei a encontrar fora da faculdade foram outros: o Hélio e o Marcelo. O Hélio era da minha sala , a turma C, o único negro da turma. Não me lembro quando nós começamos a conversar, mas foi logo no início. O Marcelo passou para o turno da tarde, eram 3 turmas de manhã e 3 a tarde. Não sei que artimanhas o Marcelo armou, mas acabou indo para a turma C.
Fora das salas de aula havia uma divisão clara na Engenharia entre a Atlética e o Centro Acadêmico. A Atlética era onde se jogava totó e sinuca, modalidades nem um pouco atléticas, mas que faziam bem mais sucesso do que as aulas de cálculo diferencial e integral. A galera vivia ali, muita gente virou craque em totó, alguns nem saiam dali. Mas eu, Hélio e Marcelo não éramos frequentadores da Atlética, a nossa parada era o movimento estudantil.
Naquele ano 1978, o movimento estudantil estava retornando a ativa. Ainda estávamos no governo Figueiredo, mas o general não queria mais porra nenhuma, só queria tratar de seus cavalos. O Centro Acadêmico de Engenharia foi reaberto no ano anterior e estava a pleno vapor. É claro que a galera do CA veio receber os calouros, e tratar de chamar quem quisesse participar do movimento estudantil para o seu lado. E nós 3 queríamos! Ingênuo, eu não sabia muito bem o que estava por trás daquela turma gente boa do centro acadêmico, não sabia que a Engenharia estava dividida entre o Partidão e o MR-8, que eram essas duas facções que militavam por ali e que estavam brigando entre si pela gente. A galera do Partidão estava a frente do CA, era mais gente boa e acabou nos ganhando. Eu, Hélio e Marcelo logo passamos a fazer parte dessa turma.
O Marcelo já tinha feito movimento estudantil no Aplicação e conhecia um pouco desse ambiente. Acho que o Helio andou vendo alguma coisa com amigos do São Bento, mas eu era um neófito completo, não sabia de nada e estava achando muito legal participar daquele movimento, escutar aquelas discussões. Logo passamos a entender tudo sobre política, a apoiar a frente democrática do partidão contra a frente popular do MR-8, éramos parte do que o pessoal do partido chamava de círculo. E 1978 prometia: era o momento de reabrir o DCE e a política estudantil assim saia do âmbito da Escola de Engenharia para a universidade inteira. Acompanhamos os nossos companheiros do CA em várias outras faculdades, na Praia Vermelha onde ficava a Economia e a Comunicação, no IFCS onde ficava a turma de humanas, na Medicina onde conhecemos os caras que são nossos médicos até hoje, e na Arquitetura, onde ficava o sonho da namorada linda própria.
Não sei em que momento, entre as aulas de cálculo e física, o centro acadêmico e a campanha pelo DCE que nós 3 encontramos tempo para decidir escrever um jornalzinho. A ideia era fazer um jornal de humor que brincasse com tudo aquilo que estávamos presenciando na universidade: o movimento estudantil, a vida de calouro, as aulas de engenharia, por aí. O humor foi uma coisa que nos uniu desde as primeiras conversas. Nós três éramos fãs do Monty Phyton, leitores do Pasquim, gostávamos de tudo de humor, desde Woody Allen até Costinha. A ideia de fazer um jornalzinho veio daí. Escrevemos o primeiro exemplar que tinha um mote político: Por mais mulheres na engenharia! O jornal foi feito da maneira mais tosca possível, rodado num mimeografo a álcool que a mãe do Helio, que era professora, tinha em casa para rodar provas. Se você não sabe o que é um mimeografo a álcool, procura no Google. O que eu posso dizer é que a impressão sai na cor roxa. E borrada. O resultado é bem tosco. Então juntamos uns 100 exemplares, nem sei se foi tudo isso, daqueles jornais que eram umas 4 folhas grampeadas , impressas em tinta roxa e borrada e saímos vendendo de mão em mão. O nome do jornal , depois de muita discussão acabou sendo Casseta Popular, uma brincadeira com Gazeta, nome de muitos jornais. Não me lembro de quem foi a ideia, mas acho que foi do Marcelo. O jornalzinho, mesmo tosco, foi um sucesso. Se é que vender 50 a 60 exemplares pode ser considerado sucesso.

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3 Comments

  1. Neusinha maio 14, 2021 at 2:05 pm

    Acabei me vendo no quesito “namorada da Faculdade de Arquitetura” kkkkkkkk

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  2. Sandro maio 14, 2021 at 9:21 pm

    Comecei a acompanhar o trabalho de vcs no carnaval de 89 pela tv globo. Depois os programas das terças feiras. Comprei camisa, agenda e boton do cassete e planeta. Admiro muito o trabalho de vcs até hoje.

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  3. Sandro Almeida maio 25, 2021 at 3:13 pm

    Eu saí de Friburgo, moleque, de ônibus, numa sexta, matando aula, ESCONDIDO da família, pra ir ali perto do metrô/trem maracanã, numa redação não sei bem aonde, pra comprar duas CAMISSETAS. “ê povinho bunda” e “Crie o bicho solto”. Comprei e voltei pra casa vitorioso. Meia bomba, na real, porque não vi nenhum de vocês lá. Bons tempos. Eu Assinei a Casseta, o Planeta, Pasquim e comprava a MAD religiosamente.

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